segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Liso como fios de nylon


Ideologicamente eu seria contra transar com mulher bi, mas é difícil delimitar a fronteira. Lições iniciais da vida lésbica: a) há inúmeras mulheres lindas no mundo hetero, mas acreditar que estão acessíveis é imprudente; b) vestir-se como hetero requer estômago e paciência para cantadas indevidas; c) existem lésbicas viciadas em hetero, mas para uma feminista isso é existencialmente frustrante. Nem todas as lésbicas são militantes e nem todas são feministas, mas sempre considerei desejável um certo purismo. Nunca tive paciência para mulheres hetero frustradas-com-homem-sonhando-que-talvez-uma-mulher-seja-mais-sensível. Em linhas gerais, eu sabia disso quando conheci Agnes. Tinha 26 anos de vida, dez anos de estrada, tinha visto coisas. Os bares da antiga, em Osasco, o antigo mundo de sapatão e damas. As boates gays de São Paulo, travestis, submundo, deboche e sentimentalismo, depois os modernos, e a primeiras lésbicas modernas no final dos anos 1990, o revolucionário surgimento das salas de bate papo e encontros de internet. Em 1997, quando fui morar com Agnes, começava o mundo de hoje, a festa esquentava e eu saí de cena. Mas a causa era justa, o sonho de uma humilde sapatão de periferia: a mulher fina e madura, bonita desde que nasceu, bonita para sempre. Mesmo com consciência de classe eu não conseguia resistir aos seus cabelos lisos como fios de nylon, que eu erguia entre os dedos e eles caíam, em vez de ficarem onde deixei.

sábado, 24 de novembro de 2012

Um cara acima da média


A responsabilidade da iniciativa e a necessidade de dominação eram problemas nunca resolvidos entre nós. Eu fiz sexo com homens, algumas vezes, no fim da adolescência. Eu gostava de skate e praticava com os garotos mais velhos do bairro. Vitor era o melhor do grupo, nariz torto e corpo fantástico, rei das manobras. Sujeito independente e sensato, e gostava de mim. Mesmo em roupas masculinas, eu tinha o corpo bonito e era difícil ficar na minha. Ele ajudava, não deixava os caras mexerem comigo. Nós ficamos algumas vezes, sem nenhum plano, durante um tempo. Ele transava bem e cheguei a imaginar que talvez eu pudesse ser hetero sem saber. Na faculdade transei com outro cara, para tirar a dúvida, foi um desastre e cheguei à conclusão que Vítor foi pura sorte, um cara acima da média, o tipo de cara que uma lésbica poderia gostar. Eu imaginava o sexo hetero a partir de Vitor. Ser a moça e bonita, a mulher de um cara. Muitas vezes foi útil, porque as meninas bonitas gostam de sentir daquele jeito, e eu sabia como fazer. Funcionava na pegação, mas bancar o macho da gatinha não se sustenta por muito tempo. Eu sabia como era transar com uma sapatão de verdade.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Terreno natural


Estava quase escuro quando chegamos na casa em Gonçalves. Deixamos as bolsas no quarto, os pacotes de comida na pequena mesa da cozinha. Não havia televisão nem internet, apenas a sala pouco confortável, o terreno natural e pouco bonito ao redor. Eu não tinha vontade de conversar, nem ela. Sem entusiasmo ou suspiros de satisfação. Fizemos o que era certo para recuperar a intimidade entre nós: conseguimos a casa, arrumamos a bagagem, percorremos a estrada, chegamos. Mas não havia televisão. Abri uma garrafa de vinho, bebemos duas na sequência e falamos bastante, coisas engraçadas e ácidas sobre outras pessoas, como duas colegas de trabalho que mal se conhecem, num almoço forçado em que o único assunto é ridicularizar quem não está presente. Ela dormiu antes, eu estava tão bêbada que via o teto baixo de madeira oscilar sobre a cama. Dormi sem perceber, e acordei de repente algumas horas depois, no meio da madrugada. Virei algumas vezes na cama, sem sono, e o corpo meio despido de Agnes me deixou excitada. Encaixei-me por trás dela e acariciei suas coxas, depois comprimi seu corpo todo, com mais força, ela não resistiu. Montei por cima dela que abriu parcialmente os olhos, gemendo um pouco. Dobrei suas pernas abertas e passei saliva, enquanto me movimentava, deixando-a mais molhada para mim. Quase gozando eu a virei de bruços, eu já inchada e úmida, gozei algumas vezes me esfregando em sua bunda. Ela estava acordada, e não queria parar. Usei meus dedos, ainda por cima dela, penetrando na frente e atrás ao mesmo tempo, como se a agarrasse por dentro, pressionando sempre a virilha sobre ela, até sentir seu interior latejar. Isso durou muito tempo, e no outro dia, com dor de cabeça, algumas imagens da noite piscavam em minha memória, como se tivesse acontecido num passado remoto.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Caminho íngreme


Existem casais que sobrevivem anos aos gritos e insultos, convivendo com a raiva. "Sai da minha vida", "Nunca mais quero te ver na minha frente", "Eu te odeio". Em outros casos, tudo pode ser dito, menos as palavras de ruptura. Porque uma vez pronunciadas, ou mesmo pensadas, elas se infiltram na ilusão que mantém aquele casal unido, em lenta corrosão, erodindo o solo até cair o barranco.

Em novembro haveria um feriado de seis dias, pois a Proclamação da República caía numa quinta-feira e o dia da Consciência Negra numa terça. Decidimos viajar juntas. Saímos de carro para Gonçalves, uma cidade pequena na fronteira com Minas Gerais, onde uma amiga de Agnes tinha uma casa. Depois do centro da cidade, subimos a montanha por uma estrada sem calçamento. Um caminho íngreme, com muitas curvas e pedras, entre árvores altas. A casa ficava num sítio rústico, sem jardim, apenas mato e alguns arbustos entre pedras. Tinha dois cômodos, colchão e almofadas no chão, e o banheiro do lado de fora.

Fazia algum tempo que Agnes não gozava comigo, sem um vibrador. No início ela se excitava facilmente. Eu a abraçava, beijava seu pescoço, e quando tocava suas partes já estavam úmidas. Durou alguns meses, depois que mudei para seu apartamento. Morando juntas, a excitação ficou mais lenta. Algumas vezes eu era romântica, fazia carícias por muito tempo em seus peitos, umbigo e coxas. Outras vezes a prendia por trás, prendendo seu corpo em posição que não pudesse reagir. Eu tinha alguns cremes, gel e acessórios, fechados numa caixa decorada, com cadeado, na gaveta da cômoda perto da cama. Passamos por fases diferentes. Em certos períodos, ela pedia mais carinho e menos força. Em outros, pedia autoridade, domínio, sem perguntas que precisasse aceitar ou negar, simulações de estupro. Na maioria das vezes, ela só tocava em mim quando já estava muito comida e gozada. Em transe, olhos dilatados e fundos, como se fosse outra pessoa, me comia e chupava. Muitas vezes eu a chupei tecnicamente, sem excitação, porque queria mantê-la satisfeita, ou mesmo entediada eu gostava de ver ela gozar. Ela não se preocupava com meu gozo, mas com meu interesse. Se ficávamos algumas semanas sem transar, fazia perguntas e cobrava. "Você perdeu o desejo por mim?", "Você cansou de mim?". Mas depois de alguns anos, aos poucos, ela parou de cobrar. Quando eu a acariciava, ela cortava logo alegando que não tinha vontade. Ou prosseguíamos, eu chupava, e no meio ela dizia que não estava funcionando, e pedia para eu usar o vibrador.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

As normas antigas


Eu sempre acordava cedo, mesmo nos fins de semana, raramente me sentia sonolenta. A passagem entre o sono e o dia era rápida para mim. Num instante estava dormindo, minha cabeça ligava, eu abria os olhos e estava disposta. No primeiro ano juntas, os fins de semana sozinhas eram raros. O pai do Bruno foi trabalhar numa empresa de aviação em São José dos Campos, logo depois do divórcio. Ele fazia viagens a trabalho, e constantemente desmarcava seus finais de semana quinzenais com o filho. Bruno ficava dois ou três meses direto conosco, sem ver o pai, e Agnes tinha pena de deixá-lo com sua mãe. "Ele sente a rejeição do pai", dizia, "não posso fazer o mesmo. Uma criança precisa ser importante para alguém no mundo. Ele precisa se sentir protegido em algum lugar". Meu tempo com ela era possível apenas quando fosse preenchida a lista básica de necessidades do Bruno: comeu, brincou, estudou, descansou. Então podíamos sair, mas Agnes estava sempre cansada. Nos raros fins de semana em que o pai aparecia, e Bruno dormia com ele duas noites seguidas, podíamos acordar juntas e ficar na cama sem pressa. Eu acordava cedo e olhava com encanto Agnes que ainda dormia, deitada de lado, o braço caído entre a cintura e o colchão. Depois houve um período em que senti muito cansaço, e precisava dormir mais. Quando o cansaço passou, Agnes não queria mais transar de manhã.

- Eu não gosto de transar de manhã - ela disse.
- Mas sempre fazíamos isso.
- Eu fazia pra te agradar. Mas é difícil pra mim.

Antes de viajar, Agnes passou semanas ansiosa, as coisas caíam de sua mão, talheres, chaves, xícaras quebravam. Quando voltou parecia calma, mas falava pouco, e olhava pouco para mim. Eu já conhecia certos padrões. Ela raramente falava sobre seus mal-estares, mas sua expressão mudava. O rosto apagava, a boca caía. Se os silêncios se repetiam por alguns dias, eu perguntava: "Está tudo bem?", "Quer falar alguma coisa?". Às vezes vinham reclamações de cansaço, ou longos dramas de sua insegurança sobre um assunto ou outro. Passamos por muitos desses conflitos ao longo dos anos, mas concentrados se resumiam a três ou quatro: nossa diferença de idade, a reação de sua família ao fato de sermos duas mulheres, sua dificuldade em ser ativa no sexo, sua impaciência com o trabalho e a expectativa de mudança no sistema previdenciário, que poderia diminuir sua aposentadoria integral como funcionária pública, um privilégio que a levou a escolher a carreira, quando tinha trinta e dois anos de idade.

Segundo as normas antigas, levando em conta seus dez anos de trabalho anterior como bancária, Agnes se aposentaria aos cinquenta e dois anos de idade, em outubro de 2011. Em 2003, quando nosso casamento quase terminava, ela esperava ansiosa o tempo que faltava, apegada ao sonho de uma vida sem compromissos, com rendimento mensal vitalício, ameaçado pela iminente reestruturação financeira do Instituto Nacional de Previdência. No início eu estava incluída nos planos. Ela falava de viagens e lugares que poderíamos conhecer. Depois, creio, começou a fazer contas e imaginar outro cenário. Eu não tinha certeza, apenas deduzia. Em nossas discussões, aparecia às vezes uma opção de segurança, "caso a gente se separasse". "Se um dia você terminar comigo", ela dizia, "acho que eu passaria um tempo com o Bruno. Seria bom ficar um tempo sozinha." Ela usaria a aposentadoria para morar no Canadá, mais perto do filho, mais perto dos Estados Unidos e países europeus onde havia as intrigantes lésbicas saxônicas e eslavas, de meia idade, com as quais ela andava conversando pela internet. O plano alternativo aparecia com mais frequência em suas conversas - "se um dia você for embora", "se um dia você cansar de mim" - e aos poucos desconfiei que talvez o dia imaginário, em vez de um medo do abandono, indicava uma vontade literal, uma mensagem. "Não se prenda por mim. Você pode ir embora, já tenho outros planos".