quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Conto antigo

Trecho de um conto escrito em 1997, chamado (na época) Lésbicas falando de suas mães.

Talvez já tenha mostrado algum trecho. Meio infantil, mas simpático por causa disso. O título vem de uma frase da Camille Paglia, ou outra intelectual feminista... preciso verificar.

- - -

"Saí do apartamento da Luciana umas nove e vinte, fui andando pra casa. Era um caminho gostoso, tava fresco, à noite. Acho que eu estava com uma sandália de couro trançado. Prendia no tornozelo, era meio bege, bonita. Tudo meio bege: era uma época que eu pintava o cabelo de loiro escuro, gostava de sair na rua toda assim, cor de madeira clara. Vestia umas roupas estranhas e pensava “sou alemã”.

Quando cheguei no meu andar a luz atrás da porta estava acesa. Não tinha música. Quando abri, a Rafaela estava deitada no meu colchão.

Passei a mão no cabelo dela, entre a testa e a orelha. A gente estava começando a namorar, eu ficava meio tímida de beijar de língua assim de cara.

Depois de olhar pra ela um pouco, a gente se beijou. Rafaela tinha esse cabelo preto e liso, muito macio - e uma boca tão pequena comparada à do meu namorado anterior, eu ainda estranhava. Os beijos eram longuíssimos, eu tinha noção dos meus próprios músculos, meu lábio muito mais forte que o dela.

Depois de transar fui buscar um copo d’água na cozinha. Rafaela veio atrás e a gente se beijou apoiadas no batente. De novo bateu tão forte que até doeu.

Não tinha cama. O colchão ficava no canto esquerdo da parede, no mesmo lado da porta de saída. Tinha uma colcha bordô. Rafaela deitava de lado, o braço em L, a cabeça sobre a mão. Eu estava de bruços, encostada à parede, sentindo o concreto no meu braço esquerdo.

A gente deve ter se beijado umas duas horas, porque eram muito tarde quando olhei no relógio. Quando deitei de costas, ela pôs a perna sobre as minhas, subiu sobre mim, aquele negócio me fez morrer, esqueci que ela era pequena e que eu tinha que me controlar.

Tinha um encaixe certo da coxa dela na minha virilha, meu braço que era longo e alcançava as costas, cintura e bunda dela ao mesmo tempo, orgasmo difícil de mensurar, só tinha consciência quando as costas do pé estavam geladas.

- A Luciana disse que transar com mulher é que nem brincar de casinha.

- Ah, é?

- Ela disse.

- Sei.

- Li uma mulher falando no jornal... que as lésbicas ficam abraçadas a noite inteira, conversando sobre suas mães.

- Você quer falar sobre a minha mãe?

- Não necessariamente.

- Pois saiba que minha mãe é uma gostosa.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Untitled, de Diane Arbus



"These photographs, most of which have never been seen before, belong to what has come to be known as Diane Arbus' UNTITLED series – by default, in a sense, since the individual titles she might have given them were never done. The photographs were taken at residences for the mentally retarded between 1969 and 1971, places she kept going back to every few months or so, to picnics, dances, on Halloween, in the last years of her life. This is simply information. What's in the pictures lies much closer to home.

When she made them, she had already staked out her territory as a photographer and there was no retreat. But, almost from the beginning, she recognized in these pictures something new, something she'd been searching for for a long time, uncertain what shape it might take. The discovering set her free. Although, as an artist, she was still on familiar ground, it must have felt for a while like a foreign country."

(Do posfácio de Untitled, livro de fotos de Diane Arbus, Ed. Thames and Hudson, 1995. Escrito por Doon Arbus, sua filha.)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Foi num dia de verão (o cortador de água)

"Se essa mulher tivesse se explicado, a coisa não teria me interessado. Christine Villemin, que não é capaz de alinhar duas frases, me fascina, porque também tem o que essa mulher tem: a violência insondável. Existe um comportamento instintivo que podemos tentar explorar, que podemos restituir ao silêncio. Restituir ao silêncio um comportamento masculino é muito mais difícil, muito mais falso, porque os homens não são o silêncio. Em épocas passadas, em épocas distantes, há milênios, o silêncio são as mulheres. Portanto a literatura são as mulheres. Ou bem se fala delas na literatura ou elas próprias o fazem, mas são elas."

(em A vida material, de Marguerite Duras, trad. Heloisa Jahn)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011