sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Materialismo dialético, III


No segundo encontro, ela perguntou:

- Por que você escreveu que procurava uma amiga?

- Acho estranho todo o resto. Encontrar alguém e decidir logo se serve ou não. As expectativas... a pressão de terminar o que nem começou.

- Por que você precisa decidir logo?

- Ah, pois é. Eu adoraria não precisar. Seria excelente, mas simplesmente eu não sou assim.

Fernanda parecia agora subitamente segura. Óculos diferentes, de armação leve, cabelo penteado, a franja presa com uma fivela. Caminhamos algumas quadras em direção a uma livraria, mas desistimos de entrar. Haveria uma palestra, mas eu estava desconcentrada e perdi a vontade de assistir.

Eu disse:

- Olhe, vamos sentar e conversar sobre algum assunto qualquer. A outra noite foi ótima, mas eu bebi demais e realmente não quero transar hoje. Eu lido mal com esses impulsos e preciso me organizar.

- Está bem, vamos conversar sobre um assunto qualquer.

Sentamos na área externa de uma doceria que servia salgados e vinho. Bebi apenas uma taça, e depois chá. Fiquei feliz de me manter sóbria, relaxei, e pacificamente seguimos para meu apartamento. Ela parecia tão doce quando nua. Adormeci sem perceber e durante a noite abri os olhos sonolenta, algumas vezes, esquecida e então lembrando que ela estava ali.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Materialismo dialético das lésbicas, II


Depois de alguns emails descobri seu nome, Fernanda. Marcamos uma cerveja num fim de tarde perto da Augusta.

Pessoas andando pela calçada em clima de paz. Sinto como artigo raro, há alguns anos. Parei à porta do espaço de cinema patrocinado por um banco e esperei olhando as moças que diminuíam o ritmo, buscando reconhecer o rosto da foto que recebera. Um olhar de reconhecimento breve e seguimos para um bar de rua vazio, ali perto. Sua pele era mais escura do que a foto mostrava. Óculos grossos, rosto cansado. Ela trabalhara o dia todo, enquanto eu estava em casa, fazendo coisas em meu modo vago. Eu já sentira outras vezes compaixão por essas moças que trabalham o dia inteiro e depois juntam sua energia para conhecer alguém, o esforço em fim de expediente para ter um pouco de vida. O contraste ainda me espanta de meu próprio privilégio.

Falamos pouco no início. Ela tinha o rosto sério, olhos baixos e contraídos. Cabelo fosco e desajeitado, não senti impulsos carnais. Fiz algumas perguntas de mapeamento, buscando uma fresta de leveza, mas não foi fácil mesmo considerando minha prática razoável nisso. Desisti da cerveja, de todo modo não posso, mais de uma garrafa me enjoa e me engorda, pedi uma dose de aguardente e ela sorriu brevemente. Se a conversa não flui, certo excesso controlado de álcool é prazer suficiente (por isso encontros nunca me frustram). Álcool, suspiro. Minha psicanalista apontava o excesso de razão que me alheia do instante real. Precisaria de muita vigilância para evitar minha vocação ao raciocínio - e depois o instante, quando é forte.

Mais tarde, talvez tenha sido seu olhar de insegurança para mim, talvez a hesitação de avançar ou não sobre esse inclinação aparente de ser capturada, seu rosto já perto do alcance. Ou a linha de seus pelos íntimos na barriga magra de pele desbotada, estendida no chão de seu apartamento pequeno, no fim da noite. Voltei para casa um tanto deslocada.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Materialismo dialético das lésbicas (novo início)


A cidade é grande e existem momentos em que você quer apenas conhecer alguém novo, cuja idade, origem, história e relações sejam totalmente diferentes dos seus. Começar em branco, como se fosse outro país.

Existem muitos caminhos para conhecer pessoas pela internet, eu prefiro os mais distantes e controlados. Um anúncio simples: "Mulher, 38 anos, com gosto por arte e livros, procura amiga lésbica e solteira para sair à noite, conversar e olhar as pessoas." Preferiria não mencionar arte e livros, para evitar o pedantismo, mas há pessoas que se interessam prioritariamente por negócios e esportes, e aprendi por experiência que é melhor especificar.

Olho anúncios em tempo contado, meia hora por dia, de manhã geralmente, raramente à noite. É como caçar, preciso atenção para farejar um potencial objeto de interesse na imensidão de bobagens. Leitura rápida dos perfis, em navegação aleatória; sem priorizar fotos (pessoas bonitas frequentemente se escondem); protegendo-me da falsa esperança de boas surpresas a partir de um perfil medíocre. Se ao fim de meia hora não encontro algo estimulante, arrisco um contato neutro em três ou quatro perfis de informações insuficientes (o excesso de banalidade nunca é desmentido; a brevidade pode indicar inteligência).

Um perfil sem foto, certo dia, mostrava apenas uma frase em inglês: "Are you my mother?" Outras informações sucintas: mulher, 25 anos, terceiro grau incompleto, signo câncer. Poderia ser uma órfã estrangeira perdida no país. Ou, com otimismo, poderia ser uma jovem intelectual e militante, atualizada sobre o lançamento recente nos Estados Unidos do segundo livro de uma conhecida desenhista lésbica de esquerda. Um código, ou laconismo carente. Enviei uma mensagem: "Olá. Se quiser escrever, meu endereço é (...)". Meu email, para esse tipo de atividade, é o nome de um grupo lésbico-feminista de São Paulo na década de 1960, As Graciosas.

Recebi a resposta alguns dias depois. Apenas uma linha: "Oi, tudo bem?"

Naquele dia, seu email competia com a longa apresentação de uma secretária de universidade privada, jovem e redondinha, que nunca tinha saído com mulheres mas tinha muita curiosidade, e as cobranças de uma senhora casada a quem eu dissera não me interessar, que insistia num primeiro encontro alegando ser injusto que eu não me interessasse apenas baseada em uma foto e três emails.

Curiosamente, para muita gente na internet dizer "amiga" ou "amizade" é um eufemismo aceitável para sexo casual. Enquanto as palavras "sexo casual", ao contrário, assustam as mulheres, atraindo geralmente casais em busca de uma parceira para encontros a três.