"Quando Fernanda chegou em casa, eu estava entre caixas de lápis, papéis riscados e revistas recortadas, catando os retalhos de papel enroscados no tapete, sobras do meu esforço pra Olívia se acalmar e dormir. Fernanda sentou no sofá e comentou:
- Mais uma batalha sangrenta?
Olhei pra ela, de joelhos, com a mão cheia de papel picado, e comecei a chorar. Ela continuou no sofá: fazia tempo que não discutíamos sobre isso. Fazia tempo que não discutíamos, aleluia, evitando engenhosamente a questão. Eu me debatia sozinha e ela ignorava com elegância. Seu desprendimento agora me dava inveja:
- Eu não sei desenhar! - disse eu, soluçando. - Não sei contar historinha. Não sei fazer nada engraçado!
Fernanda riu. Eu ainda estava ajoelhada, segurando restos de papel. Fernanda esticou a perna, tranquila, brincando com minhas coxas.
- Devolve a menina pra sua mãe. Deixa elas serem felizes.
- Mas ela é MINHA filha.
- Justamente. Poupe a coitada da sua incompetência."
3 comentários:
Olha, Sabina, eu só posso te falar do meu ponto de vista: as crianças, principalmente as mais novinhas, entre 2 e 6 anos, são extremamente sutis. Elas nunca falam das coisas de forma direta - tudo fica nas entrelinhas menos óbvias - mesmo porque elas não costumam aceitar quando os adultos querem "conversar sobre um assunto sério". Não é uma postura de enfrentamento mas de evasão, entende. Não existe debate, choque de opiniões ou posturas porque elas não aceitam conversar nesses termos, principalmente com os pais. Elas só se comunicam através do mundo imaginário, contando histórias com bonequinhos e pedaços de pano, e mesmo assim as histórias não se parecem nada com as alegorias que o mundo adulto adora pelo seu conteúdo "pedagógico". São histórias que num certo nível existem para si mesmas, são auto-suficientes. E as crianças dessa idade são incrivelmente estóicas nas relações com os adultos e só empacam ou explodem nos momentos mais inesperados.
Nem sei se isso ajuda. Talvez eu devesse te mandar um email "fechado", porque na internet as pessoas parecem estar sempre ou puxando o saco ou se esganando de ódio. Mas assim os blogues ficam mais interessantes, não é mesmo?
Oi, Paulo
Pode escrever à vontade, claro. Eu coloco os pedaços pra isso mesmo.
Quanto à criança, tive mesmo dúvidas em colocar uma frase completa, daquele modo.
Já vi crianças de 4 anos falarem até mais do que isso, e dando respostas surpreendentes (conectando idéias que nunca esperaríamos).
Também, pelo acompanhei de sobrinhos, ficar doente e manhoso como reação a uma tristeza inconsciente (o afastamento da avó) parece uma reação possível.
Mas talvez seja uma boa idéia colocar a acusação (contra a mãe, em defesa da avó) numa historinha, uma frase que dependesse da interpretação da mãe (que, culpada, entenderia até pior do que a possivel intenção inconsciente da criança)
Sabina, Saudades. Qdo vi o link no Facebbok, quis voltar achando que era o livro. Impressionou a imagem (leitor de imagem, rsrs) e o nome charmoso. Deu vontade de ler. Li, senti o quê do nome. Reli, deu vontade de saber mais, deu pra perceber que era tu mesmo. Beijão!
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