segunda-feira, 6 de agosto de 2012
Materialismo dialético das lésbicas, II
Depois de alguns emails descobri seu nome, Fernanda. Marcamos uma cerveja num fim de tarde perto da Augusta.
Pessoas andando pela calçada em clima de paz. Sinto como artigo raro, há alguns anos. Parei à porta do espaço de cinema patrocinado por um banco e esperei olhando as moças que diminuíam o ritmo, buscando reconhecer o rosto da foto que recebera. Um olhar de reconhecimento breve e seguimos para um bar de rua vazio, ali perto. Sua pele era mais escura do que a foto mostrava. Óculos grossos, rosto cansado. Ela trabalhara o dia todo, enquanto eu estava em casa, fazendo coisas em meu modo vago. Eu já sentira outras vezes compaixão por essas moças que trabalham o dia inteiro e depois juntam sua energia para conhecer alguém, o esforço em fim de expediente para ter um pouco de vida. O contraste ainda me espanta de meu próprio privilégio.
Falamos pouco no início. Ela tinha o rosto sério, olhos baixos e contraídos. Cabelo fosco e desajeitado, não senti impulsos carnais. Fiz algumas perguntas de mapeamento, buscando uma fresta de leveza, mas não foi fácil mesmo considerando minha prática razoável nisso. Desisti da cerveja, de todo modo não posso, mais de uma garrafa me enjoa e me engorda, pedi uma dose de aguardente e ela sorriu brevemente. Se a conversa não flui, certo excesso controlado de álcool é prazer suficiente (por isso encontros nunca me frustram). Álcool, suspiro. Minha psicanalista apontava o excesso de razão que me alheia do instante real. Precisaria de muita vigilância para evitar minha vocação ao raciocínio - e depois o instante, quando é forte.
Mais tarde, talvez tenha sido seu olhar de insegurança para mim, talvez a hesitação de avançar ou não sobre esse inclinação aparente de ser capturada, seu rosto já perto do alcance. Ou a linha de seus pelos íntimos na barriga magra de pele desbotada, estendida no chão de seu apartamento pequeno, no fim da noite. Voltei para casa um tanto deslocada.
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