quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Malboro, o cão / Materialismo Dialético das Lésbicas IV


Eu estava dirigindo e não queria ligar apressada. Quando o farol fechou, respondi por mensagem também: "Que alegria receber teu recado! Estou no carro voltando pra casa. Posso ligar em 30 minutos?". No farol seguinte, salvei seu número na agenda.

Chegando em casa, deixei a bolsa na mesa e fui jogar água no rosto. Sentei perto da janela com o telefone na mão, respirei com calma, tentei imaginar um jeito natural de ligar e dizer "oi" como se estivesse acostumadíssima. O telefone tocou na minha mão e me assustei. Era o nome dela no visor.

- Oi, tudo bem?
- Que rápido! Acabei de chegar em casa.
- Eu não fui trabalhar hoje, fiquei em casa o dia inteiro.
- Perdeu a hora?
- É feriado judaico e a empresa não abre.
- Legal.

Sua voz era rouca e infantil ao mesmo tempo.

- Tá a fim de fazer alguma coisa? - ela perguntou.

De repente apareceu um latido de cachorro e um barulho:
- Ai, peraí!

Ouvi mais barulhos de plástico caindo até que ela voltou.

- Deixei um presunto na pia, e o cachorro derrubou tudo para pegar.
- Cachorro grande?
- É um vira-lata, ele só tem três pernas. Você conhece a praça do Viaduto? Preciso levar ele pra andar um pouco.

Era uma área que estava em reforma, colada ao Viaduto Treze de Maio. Várias casas foram demolidas para construção de outra via de acesso, mas a obra parou com a liminar de um comerciante que se julgou prejudicado pela alteração da rota. Enquanto nada se resolvia, os donos de cães levavam seus bichos, pois era uma área cercada e os cachorros podiam correr à vontade.

Eu não sabia de nada disso, ela contou enquanto explicava o endereço. Era razoavelmente perto de casa, mas provavelmente eu só chegaria depois de escurecer.

- Não tem problema - ela disse. - É sossegado, tem sempre gente.

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