Trecho de um conto que escrevi semana passada:
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“Olha este tapete, papai”, ela disse. “Estava no baú. A mamãe disse que pode usar.” Agora havia um baú no lugar da mesa, pintado a mão, com borboletas que batiam asas.
O homenzinho desenrolava o tapete, macio como veludo. Era escuro, mas soltava reflexos brilhantes nas dobras. O homem disse: “Olhe de perto. Há desenhos que só enxergamos quando nos aproximamos de verdade”.
Eu me ajoelhei, encostei o rosto no tecido e percebi assombrada que havia uma paisagem viva: um jardim com flores, árvores, pássaros e uma cachoeira. “Que lindo!”, pensei encantada. Mas imediatamente fiquei triste: “Não posso cortar... O material é vivo, pode sangrar. Os pássaros e as árvores vão morrer.”
Nesse momento tocou o telefone. Acordei num sobressalto. Ainda atordoada estiquei o braço para atender, e ouvi a voz de uma operadora de telemarketing. Uma empresa de TV a cabo oferecia canais em alta definição. “Não, obrigada”, respondi mal-humorada.
Fiquei algum tempo no sofá, na fronteira do sono. A imagem do tecido atraía meu pensamento, que recusava o desencanto do mundo real. Tentando despertar completamente, liguei a televisão. Mudando os canais sem atenção, vi uma imagem que mal pude acreditar: a escritora francesa, na mesma entrevista que me marcara há tanto tempo. Ela havia falecido naquela tarde, e o telejornal reprisava imagens de arquivo.
Incrédula, esperei que a entrevista seguisse até a inesquecível declaração sobre roupas. Mas ela não apareceu. Eu me senti confusa, muito próxima de uma verdade que não conseguia enxergar. Pensei no assunto por dias, tentando deduzir alguma conclusão da coincidência estranha. Entre meu sonho e a morte da escritora talvez houvesse uma lição profunda, uma revelação existencial que me tornasse melhor e mais sofisticada. Mas não cheguei a nenhuma conclusão. Por mais que me esforçasse, não conseguia entender o sentido daquilo.
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