sábado, 25 de abril de 2009

Dor

No boxe há uma técnica de bater.

O soco é dado com a mão fechada, para que os ossos da mão atinjam o rosto em posição paralela, não em quina. O contato de osso com osso traz a dor rapidamente demais. Se houver carne e gordura no meio, a força pode ser maior, o impacto mais violento, e ainda assim doer menos.

No sexo também há uma técnica da dor.

A dor imediata, sem que o corpo esteja preparado, é apenas incômoda.

Em aplicação lenta e crescente, a dor é sentida com prazer.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Marina

Aquilo viera pouco a pouco, sem a gente sentir. Naturalmente gastei meses construindo esta Marina que vive dentro de mim, que é diferente da outra, mas se confunde com ela. Antes de eu conhecer a mocinha dos cabelos de fogo, ela me aparecia dividida numa grande quantidade de pedaços de mulher, e às vezes os pedaços não se combinavam bem, davam-me a impressão de que a vizinha estava desconjuntada. Agora mesmo temo deixar aqui uma sucessão de peças e de qualidades: nádegas, coxas, olhos, braços, inquietação, vivacidade, amor ao luxo, quentura, admiração a d. Mercedes.

Foi difícil reunir essas coisas e muitas outras, formar com elas a máquina que ia encontrar-me à noite, ao pé da mangueira. Preguiçosa, ingrata, leviana. Os defeitos, porém, só me pareceram censuráveis no começo das nossas relações. Logo que se juntaram para formar com o resto uma criatura completa, achei-os naturais, e não poderia imaginar Marina sem eles, como não a poderia imaginar sem corpo.

Além disso ela era meiga, muito limpa. Asseio, cuidado excessivo com as mãos. Passava uma hora no banheiro, e a roupa branca que vestia cheirava. Nos nossos momentos de intimidade eu sentia às vezes uma tentação maluca; baixava-me agarrava-lhe a orla da camisa, beijava-a, mordia-a. Isto me dava um prazer muito vivo.

(trecho do romance Angústia, de Graciliano Ramos)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

A origem do mundo

Por trás dessa bela paisagem meio chinesa, pintada por André Masson, está o quadro mais escandaloso jamais pintado.

É A Origem do Mundo, de Gustave Courbet, pintado em Paris em 1866.

A pintura foi encomendada a Courbet por um diplomata turco que colecionava imagens eróticas. Dizem que ele pediu um retrato fiel da intimidade de uma cortesã por quem era apaixonado. Foi pendurada no apartamento dele em Paris, escondida atrás de uma cortina.

Mesmo visto por poucos, tornou-se um dos quadros mais célebres do século XIX.

O quadro desaparece e é redescoberto depois da II Guerra em Budapeste. E quem o adquire? O psicanalista francês Jacques Lacan.

Lacan encomendou ao cunhado André Masson a pintura acima, em madeira, que instalou como porta de correr sobre o quadro de Courbet para escondê-lo. Quando tinha um convidado ilustre, Lacan o convidava a ver a pintura, deslizava a tampa e observava a reação. Nisso ele repetia o costume de Khalil Bey, o dono original do quadro, que abria a cortina para os amigos mais íntimos.

Os herdeiros de Lacan doaram A Origem do Mundo ao Museu d'Orsay, onde é hoje o quadro mais popular, só perde para a Gioconda do Louvre.

(Texto adaptado do blog New York on Time. A história romanesca deste quadro também é narrada num documentario de Jean-Paul Fargier, um trabalho muito interessante de experimentação com a linguagem do vídeo)